Área de cana-se-açucar com nematoide

 

Os desafios com nematoides em Cana-de-açucar

A cana-de-açúcar (Saccharum spp.) uma das culturas de maior relevância econômica no Brasil, enfrenta desafios significativos devido à presença de fitonematoides (Figura 1). A infestação por esses fitoparasitas, especialmente em solos arenosos e de baixa fertilidade, pode levar a reduções substanciais na produtividade, particularmente em áreas com variedades de cana altamente suscetíveis e altos níveis populacionais.

 

Área infestada por nematoide Pratylenchus zeae

Figura 1: Área infestada por Pratylenchus zeae, com uma densidade populacional de 100 espécies/grama de raiz. Imagem: Jorge Bleno da Silva Verssiani.

Os fitonematoides são indivíduos muito comuns nas áreas agrícolas, e em especial os que parasitam a cana-de-açúcar, têm sua origem nas matas e florestas nativas que existiam antes mesmo do cultivo agrícola. Por isso, ocorrem naturalmente em todo o Brasil, sendo organismos resilientes e altamente adaptados às condições edafoclimáticas. A infestação por nematoides reduz a longevidade do canavial, provoca desuniformidade no desenvolvimento das plantas, menor perfilhamento e compromete as soqueiras subsequentes.

Além de extraírem nutrientes das plantas, os nematoides injetam substâncias tóxicas em seu interior e criam condições que favorecem a invasão por outros patógenos oportunistas (Fusarium, Rizoctonia e Verticillium). Os sintomas nas raízes (Figura 2) e na parte aérea em cana (Figura 1), decorrentes de médias a altas populações de nematoides, nem sempre são perceptíveis a um olhar menos atento, diferentemente do que ocorre em culturas de grãos e hortaliças. Esses microrganismos infectam as raízes, causando distúrbios fisiológicos ou lesões que comprometem a ‘boca da planta’ e a ‘fundação’ dela no campo.

O termo ‘boca da planta’ refere-se às raízes, que atuam como a principal interface de absorção para a planta, captando água e nutrientes essenciais. Já o termo ‘fundação’ diz respeito ao bom desenvolvimento radicular, que ancora a planta no solo, fornece estabilidade e sustenta o crescimento dos colmos e da parte aérea. O enfraquecimento das raízes reduz a estabilidade das plantas, tornando-as mais vulneráveis ao tombamento, especialmente sob condições de ventos fortes. Essa relação é particularmente relevante em solos arenosos e/ou de baixa fertilidade, onde as raízes já são naturalmente menos profundas e menos densas. Nessas condições, a presença de nematoides intensifica ainda mais o problema, subtraindo mais algumas casas decimais da conta de produtividade. 

Raízes de cana apresentando sintomas de infecção mista, com galhas causado por Meloidogyne incognita e lesões por Pratylenchus zeae.

Figura 2. Raízes de cana apresentando sintomas de infecção mista, com galhas (engrossamentos) causado por Meloidogyne incognita e lesões (raízes escuras) por Pratylenchus zeae. Imagem: Jorge Bleno da Silva Verssiani.

 

Os nematoides-das-galhas, Meloidogyne incognita (Kofoid & White) Chitwood e M. javanica (Treub) Chitwood, e os nematoides-das-lesões-radiculares, Pratylenchus zeae Graham, P. brachyurus (Godfrey) Filipjev & Sch. Stekhoven e o nematoide-espiralado Helicotylenchus dihystera (Cobb, 1893) Sher, estão entre as espécies mais prejudiciais à cultura e as mais encontradas nas amostras processadas pelo Laboratório de Nematologia da Staphyt Brasil, em Conchal-SP (Figura 3).

Figura 3. À esquerda, Meloidogyne, incluindo seus estádios de ovo, J2 (juvenil de segundo estádio), J3 (juvenil de terceiro estádio) e J4 (juvenil de quarto estádio). À direita, espécimes dos nematoides Pratylenchus brachyurus, Pratylenchus zeae e Helicotylenchus dihystera. Imagem: Jorge Bleno da Silva Verssiani.

 

Há mais de um ano, o laboratório em Conchal-SP tem recebido amostras de produtores, empresas e usinas de cana-de-açúcar da região. Nas análises de raízes, o nematoide mais frequentemente identificado é P. zeae, seguido por M. javanica, M. incognita, P. brachyurus e H. dihystera. Prejuízos associados a P. brachyurus e H. dihystera ocorrem principalmente em populações elevadas ou em associação com fungos patogênicos presentes no solo.

A severidade dos sintomas pode ser confundida com deficiências nutricionais, exigindo análises laboratoriais para a correta identificação das espécies de nematoides presentes.

 

Coleta de amostras para nematoides: como fazer

Mesmo causando danos, os nematoides ainda são amplamente negligenciados por muitos produtores, principalmente por não serem visíveis a olho nu. As medidas de controle costumam ser tomadas apenas quando o canavial já está bastante comprometido, embora o ideal seja adotar práticas preventivas e integradas para reduzir seu desenvolvimento, já que sua presença acaba sendo inevitável em algum momento do ciclo produtivo.


Clique aqui para acessar o
Guia de coletas de nematoides da Staphyt.


Sinais indicativos de infestação por nematoides incluem canaviais desuniformes e com baixa produtividade, especialmente em áreas que, teoricamente, apresentariam maior potencial produtivo. Para um diagnóstico preciso, é essencial realizar a amostragem de raízes e solo (Figuras 4 e 5) e enviar o material para análise em laboratório especializado, onde um nematologista poderá avaliar corretamente a presença, as espécies e a intensidade da infestação.

 

Procedimento de coleta de subamostras utilizando pá de corte

Figura 4: Procedimento de coleta de subamostras utilizando pá de corte: demonstração das raízes a serem coletadas, juntamente com o solo rizosférico circundante, para análise de fitonematoides. Imagem: Jorge Bleno da Silva Verssiani.

 

A coleta de amostras de solo e raízes para análise de nematoides deve seguir um protocolo específico para garantir a representatividade do talhão. Em talhões homogêneos de até 10 ha, deve-se coletar amostras de solo e raízes de pelo menos 10 touceiras aleatórias (10 subamostras) e acondicionar em um balde plástico. Talhões maiores devem ser subdivididos para que a amostra composta não represente mais de 10 ha.

A amostragem pode ser feita tanto em cana-planta quanto em soqueiras, e em áreas reformadas deve ocorrer de dezembro a março. Recomenda-se uma ferramenta adequada, como enxadão ou pá de corte, para coletar até 25 cm de profundidade, removendo raízes e solo da rizosfera. Dez subamostras compõem uma amostra composta por talhão, que deve ser acondicionada em sacos plásticos, misturando-se solo (500 gramas) e raízes (mínimo de 100 g). As amostras devem ser mantidas na sombra e enviadas rapidamente ao laboratório, ou armazenadas adequadamente por até 4 dias

 

Coleta de solo e raízes para identificação de nematoides

Figura 5: Coleta de solo e raízes para identificação de nematoides: posicione uma camada de solo no fundo de um saco plástico, coloque as raízes ao centro e cubra com o restante do solo. Lacre o saco plástico e identifique com o nome do produtor, cultura/cultivar, localidade, entre outras informações relevantes. O material deve ser enviado ao laboratório o mais rápido possível. Caso o envio imediato não seja viável, recomenda-se armazená-lo em local refrigerado, como a parte inferior de uma geladeira. As amostras podem ser enviadas via transportadora ou pelo Correio (via Sedex somente). Imagens: Jorge Bleno da Silva Verssiani.

 

 


Endereços para de envios de amostras


 

As perdas de produtividade com nematoides

No Brasil, de acordo com estudos de Dinardo-Miranda (2005), há registros de perdas de produtividade de até 20% em lavouras de cana-de-açúcar atacadas por M. javanica e P. zeae, e de 30 a 50% em áreas com M. incognita. Resultados internos de visitas a áreas para coleta de raízes, onde as populações de P. zeae superam 70 espécimes/g de raiz, mostram uma redução significativa na biomassa radicular e no crescimento dos brotos, resultando em quedas expressivas na produtividade, comparado com áreas tratadas com nematicidas. Essas perdas têm impactos econômicos significativos, especialmente em regiões onde a cana é cultivada em monocultura contínua, sem a prática de rotação.

A cana-de-açúcar é uma das poucas culturas que permite de três a seis colheitas consecutivas com alta produtividade, sem replantio. No entanto, após várias cortes, o produtor necessita reformar o canavial. Nesse momento, pode optar pela rotação com outras culturas ou pela renovação imediata, de acordo com seus objetivos, como aumentar a produtividade ou melhorar as condições do solo. Na prática, essa decisão costuma ser tomada a partir do momento que o canavial começa entregar menos de 80 toneladas por hectare.

A fim de minimizar os danos causados por nematoides à produtividade da cana-de-açúcar, é fundamental adotar um sistema de integração. Essa estratégia combina práticas como a rotação de culturas (manejo rotacional) com o uso de agentes de controle biológico e controle químico, uma vez que os genes que conferem resistência genética em cana a nematoides ainda são limitados.

 



Jorge Bleno
Autor:
Jorge Bleno da Silva Verssiani
Nematologista Staphyt Brasil

 


 

 

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